Escrito por Alceu Luís Castilho
Sexta, 02 de Março de 2012
Na última de quarta-feira, foi realizado um show-protesto na Cidade Universitária. Tivemos chances e indícios, não concretizadas, de mais confrontos entre estudantes e Polícia Militar. E mais humilhação de alunos – como as que vêm ocorrendo sistematicamente, nos últimos dias. A reitoria chegou a proibir a entrada de cerveja. Policiais estavam parando carros em busca da droga – legalizada neste país, diga-se de passagem. O clima é desnecessariamente tenso em plena Calourada. Por quê? “Defesa da lei”? Não: estratégia eleitoral. Vejamos.
Na noite desta terça-feira quatro estudantes foram presos na USP. O carro deles foi parado. Policiais buscavam cerveja. Teriam achado uma quantidade – muito pequena – de maconha. Os quatro foram levados para o 14º DP, em Pinheiros. Não é a delegacia-padrão para receber casos da USP. Mas, desde o domingo de carnaval, quando 12 estudantes foram presos durante reintegração de moradia estudantil, tem-se tornado referência. Não é qualquer delegacia: lá também funciona uma Seccional de Polícia.
As alegações de policiais são as de sempre: defesa da “legalidade”. Eles não podem prevaricar, dizem. Como se estivessem, no dia-a-dia, cumprindo estritamente a lei. Arrombando prostíbulos e pontos de jogo do bicho, por exemplo. No domingo de carnaval, policiais militares e civis não conseguiram perceber que prenderam uma adolescente de 16 anos. Ela ficou em cela comum, no 14º DP. Ariel de Castro Alves, da OAB, identificou vários crimes na ação.
Mas a contradição nesse discurso da “legalidade” não é ingênua. Está cada vez mais claro que se trata de um cálculo político. Não basta mais olhar para as páginas de polícia e educação dos jornais para que se entenda a situação. É preciso analisar as páginas de política.
Elas mostram que José Serra aceitou ser o candidato do PSDB a prefeito. Como governador, foi ele quem indicou o atual reitor da USP, João Grandino Rodas – uma figura inexpressiva, autoritária e sem limites em suas ações repressoras. Onde deveria atuar um educador, afirma-se a figura de um xerife.
Mais que um indivíduo isolado, porém, Rodas representa uma turma, um grupo - e uma mentalidade. Ele é apenas uma dessas figuras que, durante o regime militar, não estavam nas fileiras do PMDB, não defendiam a legalidade. A novidade é que esteja sendo bancado por políticos de altas plumas.
O medo do voto
E quem deve ser o principal opositor de Serra na disputa pelo comando do orçamento municipal? O ex-ministro da Educação, Fernando Haddad (PT). Precisamos aqui repetir a área de atuação recente de Haddad: educação. É uma figura nova na política eleitoral, pinçada por Lula para tentar quebrar a hegemonia tucana em São Paulo. E qual mesmo a marca de Haddad? Segurança pública, “ordem”, discursos de direita? Não: vimos que sua bandeira é a educação.
Estou sendo repetitivo para deixar clara a conexão entre fatos aparentemente desconexos. Na USP, um reitor truculento, segundo mais votado pela comunidade universitária, mas alçado ao poder por Serra, abre fogo contra a militância estudantil. Autoriza a presença ostensiva de policias no campus, adota estratégia moralista (como a proibição de entrada de cerveja), criminaliza os estudantes – com processos, reintegrações de posse destinadas não somente a seus fins imediatos, mas a passar o seguinte recado: “vocês sabem com quem estão falando?”
Do outro lado, Fernando Haddad vem aí. Com discurso pró-educação. Para falar de Enem, para injetar no debate paulistano (e paulista) uma nova agenda. Com o aval de um ex-presidente popular, sem a rejeição que tinha Marta Suplicy.
Nada garante que isso funcione eleitoralmente contra o projeto tucano – curiosamente marcado pela ausência de projetos de fato. Alckmin (como, antes dele, Serra) tem governado o Estado de uma forma que faz jus ao apelido do ex-prefeito de Pindamonhangaba. Em meio a essa política “picolé de chuchu” vem um petista boa pinta com um discurso mais consistente – goste-se dele ou não, mas com personalidade um pouco mais definida que a média de seus pares.
E qual o antídoto tucano a esse terrível risco de perda de poder político?
Agora está mais claro do que nunca: acirrar uma política à direita, repressiva. Explorar a face conservadora do voto paulista – que, nos últimos pleitos estaduais, esteve longe de cogitar em retirar o PSDB do poder. Cracolândia, Favela do Moinho, Pinheirinho - que sejam retirados do cenário aqueles que atrapalhem esse discurso supostamente asseado, imberbe, "limpinho".
Com tudo isso, imaginam os donos da política paulista, o discurso pró-educação de Haddad será arranhado. E de uma forma maquiavélica: pois a pauta da educação tem sido cuidadosamente associada à pauta da segurança pública. Em um Estado em que os estudantes da maior universidade são cuidadosamente definidos como “baderneiros”, por que, afinal, investir tanto em educação, não é mesmo?
É desta forma que o “magnífico” reitor João Rodas precisa ser visto. Como um ser obscuro a serviço de um modelo de universidade excludente, por um lado. Como peça menor de um jogo político pouco republicano, mas de alta plumagem, pelo outro.
Ordem e cinismo
A carta branca que João Rodas dá à PM na Cidade Universitária visa, portanto, a construção de uma imagem cara aos conservadores: a de que o aparato de segurança está reprimindo os estudantes “maconheiros”; a de que se está preservando a “ordem”. Mesmo que essa palavra seja vazia, que signifique apenas um caminho limpo para se perpetuar um grupo político no poder.
Não à toa, o pai de um dos estudantes presos nesta terça-feira apoiava a ação dos policiais e brigava com qualquer um que falasse o contrário. A percepção política de boa parte da sociedade paulistana é essa: cega, rasa e raivosa. Quase masoquista. É essa fina flor da pretensão quem sempre elegeu figuras como Jânio, Quércia e Maluf; é ela quem se regozija com as opiniões espumantes de “jornalistas” como José Luiz Datena e Luciano Faccioli. É ela quem adora o discurso do “medo”.
A cereja do bolo dos truculentos era essa: injetar, nos estudantes, o medo dos protestos, o medo de pensar e agir diferente, contra a corrente. Nas pessoas da sala de jantar, o medo desses estudantes. Ocorre que essa repulsa é construída: politicamente construída, a partir dos meios de comunicação. Alguém se lembra de um ato dos alunos da USP na Paulista, no fim do ano, em que uma senhora mostrava o dedo do meio para os manifestantes?
Qualquer semelhança com o clima dos anos 60 não é mera coincidência. Naquela época a mesmíssima sociedade paulista apoiou o regime militar – torturador e assassino. Hoje acredita (cega ou cinicamente) no discurso que imputa aos estudantes a condição de “baderneiros”.
A fachada legalista é apenas isso: uma fachada. Somente o doutor Pangloss e Cândido, personagens crédulos de Voltaire, os avôs da Pollyanna e da Velhinha de Taubaté (de Luis Fernando Veríssimo, aquela que acreditava nas boas intenções do presidente João Baptista Figueiredo), poderiam acreditar que, em 2012 em São Paulo, toda a repressão em São Paulo esteja sendo feita em nome dos bons costumes.
E o resto é silêncio
A exploração de corpos femininos em casas de prostituição é ilegal – mas não se está vendo uma preocupação das polícias em fechar o cerco contra os rufiões. O jogo do bicho também é ilegal, mas quem acompanhou alguma operação, nas últimas décadas, contra essa modalidade consolidada de crime organizado?
Bandidos, para esses políticos sem escrúpulos e essa sociedade conivente, são os estudantes portando alguns gramas de maconha na Cidade Universitária. Ou então, como se está vendo de forma absurda em pleno regime democrático, carregando em seus carros perigosíssimos engradados de cerveja.
A pouco mais de seis meses das eleições municipais, está claro o que se quer, no Morumbi e no Butantã: conflito. De preferência com mais alguns gramas de maconha para justificar quaisquer ações policiais. Qualquer coisa que aconteça na Cidade Universitária contra os estudantes, mesmo que seja recheada de ilegalidades, será apoiada por boa parte da sociedade paulistana.
Rodas, Serra e o coordenador de todo esse circo, Geraldo Alckmin, apostam que, em outubro, esses apoiadores serão maioria. Apostam, portanto, em uma disputa eleitoral rançosa e numa gestão de segurança – e de educação – que fique a reboque dessa lógica. Apostam nos anos 60.
O resto é o silêncio de uma sociedade confortavelmente entorpecida.
Alceu Luís Castilho é jornalista formado pela ECA-USP em 1994. Estudante de Geografia na USP. Twitter: @alceucastilho)
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