quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A Argentina e nossa mídia escrota



Para quem não tem como saber o que acontece na Argentina pela cobertura vagabunda dos meios de comunicação locais (e para quem quer saber como é um governo da "direita moderna").
Mauricio Macri usou uma liminar para impedir que Cristina Kirchner passasse os atributos a ele. Não foi um "capricho" dela, como se leu por aí, foi uma liminar da justiça!
Provavelmente algo inédito na história do mundo "democrático". E os motivos ficaram evidentes no dia da posse e no anterior. Enquanto o ato de despedida de Cristina Kirchner encheu a Praça de Maio (encheu mesmo, não é exagero meu) no dia 9, a posse de Macri no dia 10 não levou nem 1/3 do número de participantes. Claramente Macri não queria que esse fosse o tom do dia 10, mais gente nas ruas por Cristina que por ele, então fez de tudo para ela não estar.

Para quem comprou o discurso que o governo K era autoritário, explique como em 5 dias de governo, Macri já assinou mais decretos presidenciais (aqueles que significam passar por cima do Congresso) que Cristina K em seus 8 anos de mandato. Repito para quem não entendeu: o "moderno" Macri usou mais vezes os decretos presidenciais em 5 dias que a "populista" Kirchner em 2920 dias!
E entre os decretos de Macri estão a derrogação, na prática, de duas leis importantíssimas, a Lei de Meios tão respeitada no Brasil e a Lei de Educação que estabelece como meta o investimento de 6% do PIB nesse setor. Assim, com canetadas, ajuda o grupo Clarín e diminui os "gastos" do Estado.
Também, ao melhor estilo dos republicanos, já cortou os impostos dos mais ricos, eliminando as retenções do campo. As retenções eram imposições sobre o agronegócio exigindo que uma parte das colheitas fosse vendida no mercado nacional, impedindo o desabastecimento e que os produtos tivessem preços mais acessíveis por não seguirem o mercado internacional. Como resultado dessa liberação total, a inflação medida desde que ganhou Macri até hoje, quase triplicou. Já sabendo que "o governo deles" tinha ganhado, produtores e intermediários, como supermercados, fizeram uma remarcação violenta dos preços (que agora se chama pela mídia pró-Macri de "sinceramento" dos preços - ou seja, os preços como "deveriam ser"). Sendo que uma das maiores críticas ao "populista" governo K era a inflação.
Apesar das promessas, os cortes de impostos para os trabalhadores que ganham salários mais altos não aconteceu, apesar do apoio de dirigentes da CGT, inclusive do caminhoneiro Hugo Moyano (que dirigiu várias greves gerais contra o governo K)
E em janeiro vamos ter tarifaço em serviços públicos, luz e gás. O tal fim do "cepo cambiário" (cepo quer dizer armadilha para pegar animais, mas no caso seriam restrições) não aconteceu, mas vai com certeza. Agora, todos os argentinos anti-K xingavam ao falar desse cepo, só que na prática são quase as mesmas restrições que existem no Brasil e em qualquer outro país com regras. O que não era a Argentina dos anos 90. Restrições à compra de moeda estrangeira, restrições ao envio de dinheiro ao exterior, etc. Elas também existem no Brasil, ninguém pode comprar milhares de dólares sem autorização, sem comprovar de onde vem o dinheiro, etc. O problema aqui é que a economia é semi-dolarizada, com imóveis sendo vendidos em dólar e coisas assim. Sem contar que o argentino médio cai no golpe do "economizar em dólar" e acha que comprar a moeda gringa e guardar no colchão é um bom negócio. Não adianta mostrar estatísticas e comparação com outros investimentos, é pura perda de tempo. Espera-se uma forte desvalorização da moeda, o que é sempre bom para quem tem muito dinheiro e ruim para o resto.
Para finalizar, o dita...presidente Macri ainda indicou, por decreto, sem passar pelo Senado dois juízes para as vagas no Supremo Tribunal. Algo que só aconteceu duas vezes antes na Argentina durante processos ditatoriais. Nunca se viu algo assim antes, indicar juízes passando por cima de todos os critérios democráticos. Ele também forçou a saída de vários funcionários que possuem independência dos governos eleitos, como o presidente do Banco Central (que diz ter sido ameaçado de morte) e da Procuradora-Geral da Nação que possuem mandatos votados pelo Congresso e independentes do governo de turno. Um estilo claramente mafioso de governar.
Na minha opinião, a direita moderna é igualzinha à direita tradicional, tanto em seus objetivos quanto em seus métodos. O bom disso tudo é que nesses cinco dias de desgoverno Macri já aconteceram mobilizações no país todo em defesa da Lei de Meios e em apoio à Procuradora. A próxima é dia 17, depois de amanhã. Ah, e pela primeira vez em muitos anos, posso falar pelos 7 que estou aqui, na manifestação contra o fim da Lei de Meios foi a primeira vez que se voltou a ver, em plena Praça de Maio, caminhões-tanque daqueles usados na repressão em São Paulo. Por enquanto estavam só estacionados.
Uma pequena atualização, se lembrar de mais alguma coisa, dou uma editada.

 Marcelo Barbão em seu facebook:

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segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Rosa dos Ventos: O Intruso Lula


Da Carta Capital

Lula
cometeu um “erro” fundamental, nos oito anos na Presidência da República, ao oferecer a 40 milhões de excluídos da sociedade o status de cidadãos brasileiros. Ele paga o preço.
Uma parcela da população facilmente identificável reage a isso e se horroriza, por exemplo, com a frequência dos novos passageiros de aviões. Eles teriam dado aos aeroportos uma aparência de rodoviária. Eis aí um preconceituoso ponto de vista. 
Mas há uma hostilidade precedente a esta. Foi motivada pela ascensão de Lula, um ex-operário metalúrgico que chegou ao topo do poder. Em 2002, na 19ª vez em que foi às urnas para eleger um presidente, o eleitor subverteu a regra imperante, em 103 anos de uma República mal resolvida, e elegeu o filho do excluído Aristides Inácio da Silva, falecido 15 anos antes. Por falta de documentação, foi enterrado como indigente. 
Antes de Lula, a regra para ingressar no “Clube dos Eleitos” exigia um diploma de bacharel. Em alguns casos, a porta foi arrombada por alguém com uma espada na mão. Excluída a intromissão ilegal dos militares valem, para esta constatação, os eleitos pelo voto popular.
Os presidentes-advogados prevalecem: Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigo Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha, Venceslau Brás, Epitácio Pessoa, Artur Bernardes, Washington Luís, Getúlio Vargas e Jânio Quadros. Além do médico Juscelino Kubitschek, do economista Fernando Collor de Mello e do sociólogo Fernando Henrique Cardoso.
A expressão “Clube dos Eleitos” é de FHC, criada muito antes de ele próprio chegar ao poder com o diploma de sociólogo em mãos. A porta do clube abriu-se comodamente para o vaidoso FHC, mas não engoliu um inesperado metalúrgico. 
Lula tornou-se um intruso ou, popularmente, um penetra no “Clube dos Eleitos”, mas não assinou a ficha de sócio. 
O pernambucano Lula, imbuído de alma popular, não migrou de classe. E tem a compreensão desse processo. Em entrevista recente, referiu-se a isso ao fazer o contraponto entre ele e FHC, chamado por seus pares de “príncipe da sociologia”. “Ele tem um problema comigo, que é um problema de soberba. Ele sofre com o meu sucesso.” 
Segundo Lula, o ex-presidente tucano, ao deixar o poder após dois mandatos, teria pensado assim: “O Lula vai ganhar, é um coitadinho. Não vai saber nada, não vai dar certo. Quando chegar em 2006, eu vou voltar pelos braços do povo (...) Acontece que, quando o meu governo teve sucesso, em vez de dizer ‘eu ajudei esse menino a vencer’, ele começou a ficar com bronca”.
Lula não tem alternativa política. De frase em frase, ele vai se aproximando da inevitabilidade da candidatura em 2018. A última declaração dele foi incisiva: “É importante defender um projeto político de inclusão. Para defender esse projeto, eu estou disposto a ser candidato”.
Em vez de cadeia, talvez a cadeira presidencial.
 
http://www.cartacapital.com.br/revista/876/o-intruso-lula-865.html