Da Carta Capital
Lula cometeu um “erro” fundamental, nos oito anos na Presidência da República, ao oferecer a 40 milhões de excluídos da sociedade o status de cidadãos brasileiros. Ele paga o preço.
Uma parcela da população facilmente identificável reage a
isso e se horroriza, por exemplo, com a frequência dos novos passageiros
de aviões. Eles teriam dado aos aeroportos uma aparência de rodoviária.
Eis aí um preconceituoso ponto de vista.
Mas há uma hostilidade precedente a esta. Foi motivada pela ascensão de Lula,
um ex-operário metalúrgico que chegou ao topo do poder. Em 2002, na 19ª
vez em que foi às urnas para eleger um presidente, o eleitor subverteu a
regra imperante, em 103 anos de uma República mal resolvida, e elegeu o
filho do excluído Aristides Inácio da Silva, falecido 15 anos antes.
Por falta de documentação, foi enterrado como indigente.
Antes de Lula, a regra para ingressar no
“Clube dos Eleitos” exigia um diploma de bacharel. Em alguns casos, a
porta foi arrombada por alguém com uma espada na mão. Excluída a
intromissão ilegal dos militares valem, para esta constatação, os
eleitos pelo voto popular.
Os presidentes-advogados prevalecem:
Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigo Alves, Afonso Pena, Nilo
Peçanha, Venceslau Brás, Epitácio Pessoa, Artur Bernardes, Washington
Luís, Getúlio Vargas e Jânio Quadros. Além do médico Juscelino
Kubitschek, do economista Fernando Collor de Mello e do sociólogo Fernando Henrique Cardoso.
A expressão “Clube dos Eleitos” é de FHC, criada muito
antes de ele próprio chegar ao poder com o diploma de sociólogo em mãos.
A porta do clube abriu-se comodamente para o vaidoso FHC, mas não
engoliu um inesperado metalúrgico.
Lula tornou-se um intruso ou, popularmente, um penetra no “Clube dos Eleitos”, mas não assinou a ficha de sócio.
O pernambucano Lula, imbuído de alma popular, não migrou
de classe. E tem a compreensão desse processo. Em entrevista recente,
referiu-se a isso ao fazer o contraponto entre ele e FHC, chamado por
seus pares de “príncipe da sociologia”. “Ele tem um problema comigo, que
é um problema de soberba. Ele sofre com o meu sucesso.”
Segundo Lula, o ex-presidente tucano, ao deixar o poder
após dois mandatos, teria pensado assim: “O Lula vai ganhar, é um
coitadinho. Não vai saber nada, não vai dar certo. Quando chegar em
2006, eu vou voltar pelos braços do povo (...) Acontece que, quando o
meu governo teve sucesso, em vez de dizer ‘eu ajudei esse menino a
vencer’, ele começou a ficar com bronca”.
Lula não tem alternativa política. De
frase em frase, ele vai se aproximando da inevitabilidade da candidatura
em 2018. A última declaração dele foi incisiva: “É importante defender
um projeto político de inclusão. Para defender esse projeto, eu estou disposto a ser candidato”.
Em vez de cadeia, talvez a cadeira presidencial.
http://www.cartacapital.com.br/revista/876/o-intruso-lula-865.html
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