Por Antonio Martins
É curiosa (e reveladora) a relação da velha mídia com o sistema político. Os jornais e TVs sugerem, incessantemente, que ele está afastado da sociedade e corrompido. Nos últimos anos, o noticiário sobre os poderes “policializou-se”. Abandonou quase completamente o debate sobre a tramitação de projetos interesse público e se concentrou nos casos de corrupção. Mas bastou a presidente Dilma falar em Constituinte e plebiscito sobre Reforma Política para se sugerir que ela “imita Hugo Chávez”, “isolou-se” e foi “rechaçada”. Para entender por quê, vale acompanhar o que ocorreu, nos últimos três dias, com a proposta da mudança.
Ela foi apresentada domingo, pelo governador gaúcho Tarso Genro (PT), durante a série de consultas que Dilma fez, em meio à crise. Tinha caráter muito avançado. Um plebiscito perguntaria aos eleitores sobre a oportunidade de convocar uma mini-Constituinte, encarregada da reforma. A população poderia opinar, também, sobre a composição da Assembleia. Entre o leque de opções estaria permitir candidaturas independentes — ou seja, de pessoas não ligadas a partidos.
Dilma omitiu este aspecto, ao enunciar a proposta, na segunda-feira. Ainda assim, o bombardeio começou de imediato. Sistema político e mídia atiraram juntos. O presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN) teria reagido aos berros: “Isso é golpe! Ela está achando que é quem? Chávez? Rafael Correa?” O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), ajudaram a detonar a ideia. E foram subitamente transformados em pessoas sensatas, no noticiário. Jornais e TVs martelavam a suposta ”inconstitucionalidade” da proposta. Fingiam esquecer que, caso aprovada na consulta popular, a Constituinte seria, obviamente, transformada em emenda constitucional — que os parlamentares não teriam como rejeitar…
Pressionado, o Palácio do Planalto recuou. Mantém, por enquanto, a proposta do plebiscito. É muito menos: uma Constituinte provoca ampla mobilização e debate nacional; coloca em xeque todo o atual sistema; pode examinar diversos mecanismos de democracia direta e representativa — inclusive aproveitando as possibilidades abertas pela internet. Vale defender a ideia, que obteve repercussão inédita, mesmo após a retirada do governo.
Mas também o plebiscito é muito poderoso, a depender de duas questões-chave: que perguntas serão propostas à população; e a decisão dos eleitores será terminativa? É este, certamente, o debate que surgirá nos próximos dias. Se for possível votar, por exemplo, contra o financiamento dos políticos pelas empresas; a favor de candidaturas independentes; ou da limitação número de reeleições, inclusive no Legislativo, será um ótimo começo.
Os que se beneficiam do sistema atual tentarão fugir a todo custo deste “risco”. A mídia buscará esfriar o tema, para que a população não se aproprie da bandeira. Os políticos conservadores procurarão reduzir a relevância das perguntas e reduzir a consulta a um “referendo”, no qual os eleitores dizem apenas “sim” ou “não”.
Derrotar esta tática pode ser vital para que a luta por direitos e mudanças avance.
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