quinta-feira, 9 de abril de 2015

A LEGALIZAÇÃO DO GATO: A EXPROPRIAÇÃO DO TRABALHADOR





Antes de descrever o circo de horrores em que se transformou a Câmara de Deputados Federal, com o seu Presidente, notório corrupto a serviço de quem lhe propina, vedando o acesso dos trabalhadores às galerias, mas liberando-as para os empresários, explico, para os que não sabem, o que é um "gato".

É prática, na área rural brasileira, para evitar vínculos trabalhistas com os trabalhadores, os proprietários rurais contratarem trabalhadores diaristas, avulsos.

Para evitar problemas com o Ministério do Trabalho, o que fazem? Terceirizam o recrutamento desses trabalhadores, e o negócio funciona assim: um sujeito tem um caminhão que, na estrada vem recolhendo os trabalhadores que o esperam, sentados no chão, e os distribui nas fazendas.

No início da noite passa pelas fazendas, recolhe os trabalhadores e os deixa nos mesmos lugares em que os pegou de madrugada.

No final da semana os donos das fazendas pagam o combinado, ao dono do caminhão, que paga aos trabalhadores, ficando com a diferença.

Esse intermediário é chamado de "gato".

Há 11 anos dormia nas gavetas da Câmara um projeto de emenda constitucional (PEC), de número 4330, que regularia o trabalho terceirizado no Brasil, criando a isonomia (igualdade de direitos) entre terceirizados e não terceirizados.

Oportunisticamente, um congresso onde 70% dos parlamentares tiveram as suas campanhas eleitorais custeadas por empresas, atendendo ao empresariado brasileiro, modificou o texto original, estendendo a terceirização a todos os setores da economia brasileira, o que abre a brecha para que todos os brasileiros sejam terceirizados.
Na prática é a oficialização do gato, ou a criação do gato urbano, com o caminhão substituído por um escritório.

Ontem o Congresso aprovou o regime de urgência para a matéria, que será votada hoje.

E o que muda para o trabalhador?

Pela legislação atual, os trabalhadores ligados a atividade fim da empresa não podem ser terceirizados, só os de serviço complementar.

Assim, um banco, por exemplo, que tem por finalidade realizar transações financeiras, é obrigado a ter todos os seus funcionários ligados a essas transações, da diretoria aos caixas e escriturários, ligados diretamente à empresa, podendo terceirizar os serviços complementares: segurança, faxina, transporte de valores...
Uma escola não pode terceirizar os professores e pedagogos, só o pessoal de apoio: pessoal de cozinha, de limpeza...

Pela PEC 4330, TODOS os trabalhadores de qualquer empresa particular ou pública, inclusive funcionários públicos, podem ser terceirizados, o que muda tudo.

Com o passar do tempo só haverá trabalhadores terceirizados, no Brasil, com as empresas reduzidas às suas direções, acabando com os vínculos trabalhistas, substituídos por contratos temporários ou assinaturas de carteira profissional (fichamento) a título precário, sem garantias trabalhistas e com salários menores.

Uma coisa é ser funcionário da Petrobras, outra, ser empregado de uma pequena empresa que presta serviços para a Petrobras, por exemplo.

Uma coisa é ser um médico de um hospital, outra, ser um médico contratado de um escritório que intermedia médicos e hospitais, ou professores e escolas.

Na prática o que essa lei embute, disfarçadamente é o fim da CLT, substituída pelo Código Civil, porta aberta para que se acabem todos os direitos trabalhistas.

O PT e o PC do B estão visceralmente contra essa barbaridade, que atrasa o relógio da história brasileira em mais de 60 anos, nos levando ao primeiro governo de Getúlio Vargas, antes dele ter criado a CLT, o que fica evidente quando um parlamentar tucano, discursando se trai: "chega de olhar para o passado, o negócio é olhar para a frente".
O velho sonho da UDN reencarnada no PSDB se realiza: depuseram Getúlio, pelo suicídio, depuseram Jango, no Golpe de 64, e agora tentam depor Dilma, ao mesmo tempo que adequam a legislação, para nos levar de volta ao cativeiro, agora numa nova senzala, chamada empresa terceirizada.

O empresariado, até agora comprador do trabalho do proletariado, com essa lei passa a ser proprietário do trabalhador, tanto quanto é dono das suas máquinas e estoques, podendo deles dispor como quiser, com tudo previsto em contrato com a empresa terceirizada.

Vem aí o fim da relação patrão-empregado, substituída por trabalhador avulso-intermediário e, para quem entende Marx, o óbvio: produção de mais valia para o intermediário e para o contratante do intermediário, a duplicação da exploração, e com pequenas chances de defesa: as inúmeras pequenas empresas contratantes, intermediárias, vai pulverizar de tal maneira os trabalhadores, que o sindicalismo brasileiro vai para o brejo.

Se até agora as demandas judiciais trabalhistas tinham a favor do trabalhador lesado o patrimônio da empresa que o lesou, agora, como vendedores de trabalho para empresas pequenas, reduzidas a escritórios, o que veremos será trabalhadores vítimas de calotes, muitos calotes, inclusive com a queda da arrecadação, porque é prática usual a constituição de pequenas empresas que não recolhem tributos, dão calotes na praça e depois fecham.

A precariedade das relações entre os trabalhadores e as empresas intermediárias, com alta rotatividade da mão de obra inibirá, fatalmente as manifestações de trabalhadores, vulnerabilizados pela possibilidade de desemprego por qualquer motivo.

A mídia, também ela beneficiária, está calada, sem esclarecer ou pelo menos noticiar, limitando-se a mostrar os trabalhadores em conflito com os seguranças do Congresso e com a Polícia Militar, mas sem dizer porque.

Nas redes sociais pouquíssimos comentários.

Sorrateiramente o Congresso Nacional Brasileiro vai se tornando um governo paralelo, impondo ao povo o sonho dourado do capital, desmontando um a um os projetos do executivo.

Já o povo... Aumentando cada vez mais o ódio aos que, apesar de tudo, continuam a defendê-lo.


Vem aí a passeata organizada pelos donos dos gatos, os novos donos da classe trabalhadora.

Francisco Costa
Rio, 08/04/2015.

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