("[...]mas tens um cão")
São 2:00 da madrugada, e há duas horas, completei 37 anos de idade.
Essa data para mim, sinceramente, não se difere de outras quaisquer. Mas há gente que me ama, e tenho que me sentir feliz, e é assim que funciona a vida.
Amanhã tem sorrisos.
Pois estava aqui, já com 37 anos, a terminar de ler alguns textos, e bobagens no Facebook (há informação interessante ali), quando deparei-me, sei lá em que post, com essa foto emocionante e ilustrativa.
Lembrei-me de quando tinha meus vinte-e-poucos, estava ainda no início da universidade.
Às sextas-feiras, quando chegava e descia do ônibus na rua Augusta, encontrava-me com o Senhor João, um velho sujo e triste, perambulante que sempre, desde que o conheci (também não me lembro como), me aguardava, já soluçante, sentado no meio fio.
Devido a sua mente sempre sóbria e sábia, como é a de qualquer pessoa que cursa a Faculdade da Puta da Vida, passar minhas sextas com o velho era deleitante.
Minha faculdade não permitiria alguém ter o conhecimento do Senhor João, mas, para ele e a sociedade - a mesma que o excluía - eu era o bonzinho da história toda (apesar da retribuição financeira atual desdizer essa bobagem que talvez eu tenha escrito agora).
Senhor João havia sido expulso de casa por ser, segundo seus ótimos e imaculados parentes, um desviado, pois "gostava de passar algumas noites embriagado à rua".
Não o deixavam voltar
Mas era censurado por mim quando dizia que concordava com isso.
Com força e veemência, desmentia-o, e revelava a ele suas virtudes.
Lembro-me que um dia comprei-nos um presente - um litro de uma cachaça amarela de minas.
Não entendo nada de pinga, mas tomei toda naquela noite com Senhor João, e ainda me recordo do seu sorriso com alguns poucos dentes ao ver a prenda.
Nunca o dei um centavo.
Mas lembro-me bem de como ele se emocionava ao ser perguntado com real interesse sobre sua vida...mesmo que tão difícil.
Emocionava-se porque eu era quem estava voltando de uma universidade, mas também era quem olhava em seus olhos.
Desmentia o que ele reproduzia sobre si. Desdizia-o. Exaltei sua força e coragem frente à vida.
Naquela noite, um sopro de identidade e importância ele teve. Isso o fez chorar.
O álcool só é uma maneira de lidar com tudo de um jeito melhor.
Há quem ache que mendicância e alcoolismo são preguiça, falta de coragem e caráter.
Curiosamente, gente que teve muita chance.
Certamente, o Senhor João e o bêbado da foto não tenham ideia do que seja poesia (como muitos que tem chance na vida).
Para o bêbado da foto, e para o Senhor João, não importava o resto...
Tudo bem. Alguém os olhava nos olhos.
Naquela noite com Senhor João, e no dia em que foi esta foto tirada, "uma flor nasceu no asfalto".